Grandes Instituições Contra Advogados dos Consumidores

É isso mesmo que você leu (o artigo em si, está aqui).

Por trás da narrativa fantasiosa e absurda de que as instituições financeiras seriam as vítimas nos processos em que respondem na justiça, o propósito do argumento é evidente: tentar criminalizar a advocacia digital de impacto (ou seja, aquela especializada em promover demandas repetitivas em volume para consumidores prejudicados).

Vamos começar pelo começo.

Lamento, Mas a Vítima é o Consumidor!

 

Primeiro, que fique claro: as instituições financeiras não são as vítimas nos processos judiciais que respondem.

E o Relatório Analítico Propositivo do CNJ foi categórico ao identificar claramente as instituições financeiras entre as empresas mais demandadas no portal consumidor.gov.br e também como os maiores litigantes em ações de consumo no país (o relatório completo você encontra aqui).

Se tal documento apresentasse também dados qualitativos sobre o mérito das demandas, demonstraria o percentual acachapante de êxito dos consumidores nos processos que iniciam.

As demandas repetitivas que por vezes abarrotam o Poder Judiciário são invariavelmente procedentes (e, aliás, é justamente por isso que se multiplicam progressivamente, já que o pagamento de honorários na advocacia digital de impacto está condicionado ao êxito).

Em outras palavras, o advogado que defende o consumidor recebe honorários somente se e quando vencer a ação. A advocacia digital de impacto não se sustenta com aventuras jurídicas ou promovendo demandas improcedentes. Precisa de vitória e de um encerramento rápido do processo para custear a sua prática.

Já os escritórios de advocacia que defendem os grandes litigantes recebem um valor mensal ínfimo por processo para acompanhar a controvérsia até o seu final. Recebem mais dinheiro, portanto, quanto mais longo for o litígio, independentemente do resultado.

Sob nenhuma ótica uma ação procedente poderá ser vista como a causa do excesso de judicialização no país.

Ela é apenas o sintoma. Pois para cada ação procedente, há um direito violado. A causa, portanto, será sempre a conduta lesiva.

Enquanto for economicamente conveniente para uma empresa causar o dano, não oferecer verdadeira oportunidade para repará-lo extrajudicialmente e obrigar o consumidor a provocar o Poder Judiciário como única alternativa de resolver o seu problema, veremos um aumento progressivo de novas ações judiciais na medida em que inovações tecnológicas e maior acesso à informação reduz o custo (de tempo e dinheiro) para que o consumidor possa brigar pelos seus direitos na justiça.

Nessa nova realidade, muitas das condutas lesivas de menor grau naturalmente represadas (seja por desinteresse econômico de advogados em patrocinar tais demandas, seja por preguiça do próprio cidadão em ter de lidar com advogados e a justiça) passaram a encontrar o seu caminho até o Poder Judiciário.

O problema da excessiva judicialização existe. Também conhecemos bem quem são os responsáveis por ele.

Hoje, a solução que apresentamos é exigir que essas vítimas se resignem com o seu prejuízo, se dirijam sozinhas a um Juizado Especial Cível, sem assessoria técnica especializada, ou provoquem a defensoria pública.

Nenhuma destas opções funciona, como expliquei neste artigo.

Deixar o cidadão desamparado e premiar o causador do dano também não é uma alternativa.

Esse papel importantíssimo recaiu justamente sobre à advocacia digital de impacto, que conta com a atuação abnegada e incansável de milhares de advogados que atuam sozinhos ou em pequenos escritórios de advocacia.

Pode ser óbvio, mas vale lembrar. Não há uma conspiração obscura contra as instituições financeiras por advogados “malvadões”. Muito pelo contrário.

Criminalizar a Advocacia de Defesa do Consumidor É Absurdo e Merece Resposta Institucional da OAB

 

Existem maus profissionais. Eles são a exceção, e não a regra. Falsificar documentos é crime. Não é advocacia. Ponto.

Agora, o “ajuizamento de ações em massa” “geralmente [em favor] de pessoas vulneráveis” não pressupõe irregularidade ético-disciplinar alguma. Quem diria, então, o cometimento de infração penal.

Na verdade, são justamente as pessoas mais vulneráveis que acabam sendo vítimas de práticas comerciais predatórias promovidas por empresas terceirizadas que vendem produtos financeiros em nome de grandes instituições, conduzindo-as ilegalmente ao drama do superendividamento.

Os casos dos abusos reincidentes das instituições financeiras em suas relações com pessoas vulneráveis já foram largamente documentados em processos individuais no Brasil todo.

Todos nós conhecemos bem a fraude perpetrada por conhecidas instituições financeiras ao enviar cartões de crédito não solicitados ao consumidor para justificar uma operação de empréstimo ilegal com base na margem consignável. Todos nós também conhecemos os empréstimos pessoais com taxa de juros de 1.000% ao ano, já reiteradamente declarados ilegais na justiça.

Advocacia Predatória É Atividade Criminosa – Você sabe o que é “Advocacia Predatória”? Clique aqui para saber mais 🙂 

Ainda assim, as práticas ilegais nunca cessaram. Por quê?

E a resposta é simples: as vítimas normalmente não tinham verdadeiro acesso a serviços jurídicos de qualidade ou à justiça (e tal realidade já foi bem documentada aqui). Até recentemente, pelo menos.

A distribuição de muitas demandas não “configura em uma estratégia para dificultar a defesa dos Bancos na busca e obtenção dos documentos em tão pouco tempo”, mas sim apenas o meio legítimo que o cidadão tem para se defender de políticas institucionais conscientemente lesivas ao consumidor.

Acontece que ao narrar diversas atividades criminosas a autora do artigo apresenta um único dado concreto para que o advogado seja tratado imediatamente como um criminoso: o número de demandas similares contra a mesma parte (no caso do artigo, o que chamou a atenção foram 78.610 ações judiciais distribuídas no país todo – que pode, sim, ser fruto de atividade criminosa já que desconheço os fatos em si).

Mas seguindo a lógica do argumento construído no artigo, identificado um número elevado de demandas ajuizadas por um mesmo advogado ou escritório de advocacia (sem analisar como se dá, de fato, a efetiva prestação do serviço jurídico), a instituição financeira ou qualquer outro fornecedor estaria legitimado a se utilizar de um arsenal de medidas intimidatórias para impedir o exercício profissional daquele profissional, ainda que não disponha de qualquer indício de irregularidade para justificar a sua suspeita.

Afinal, ter clientes empresariais e muitos processos judiciais deve ser um monopólio de mérito a ser ostentado somente pelos grandes escritórios de advocacia tradicionais.

Para o advogado do consumidor, que trabalha para quem mais precisa de ajuda, ter muitos clientes e, consequentemente, muitos processos é certeza de irregularidade.

Então, hoje, as instituições financeiras não tem qualquer constrangimento em solicitar de forma leviana ao juízo em TODOS os processos o envio de ofício à autoridade policial para que o advogado seja investigado por uso de informações sigilosas (sem qualquer tipo de fundamento, diga-se de passagem), ofício à OAB para que fiscalize a prática do colega por patrocinar muitas demandas, ou enviar oficial de justiça na casa dos autores para constrangê-los em verdadeiro interrogatório sobre a sua relação com seu advogado, como se buscar os seus direitos na justiça fosse algum tipo de ilegalidade.

A estratégia dos grandes litigantes é clara: legitimar a sua conduta intimidatória contra todo e qualquer advogado que venha a demandá-los em juízo de forma indiscriminada, com base no exemplo lamentável de um punhado de criminosos.

Como se vê, o que pretendem é evitar a distribuição de mais ações procedentes fechando a porta da justiça, intimidando de forma truculenta os advogados que auxiliam as pessoas mais vulneráveis deste país.

O advogado do consumidor não é criminoso.

A advocacia digital de impacto, em sua imensa maioria, é praticada por profissionais qualificados e éticos, e as suas prerrogativas profissionais estão sendo violadas diariamente.

Afinal, a ação se ganha dentro dos autos. Discutindo o mérito. Nunca constrangendo o colega ou a contraparte.

Afinal, Como Devemos Solucionar o Problema dos Micro Danos nas Relações de Consumo?

 

Compreendo perfeitamente a preocupação do Poder Judiciário com a sobrecarga de trabalho dos magistrados, mas a sua leniência com a campanha difamatória utilizada pelos grandes litigantes para intimidar impunemente advogados como tentativa de desestimular a judicialização é inadmissível.

Ela pune a vítima, hostiliza o advogado e beneficia o infrator.

A justiça deve, sim, promover a pacificação social estimulando o infrator a cessar a conduta lesiva. E isso exige uma postura mais rígida com aquelas empresas que são alvo de demandas em massa (especialmente, aliás, quando em suas defesas fogem da discussão de mérito e passam a atacar pessoalmente os advogados da contraparte).

A nossa sugestão seria justamente para que os tribunais identificassem quais empresas, apesar de serem condenadas de forma reiterada na justiça, NÃO cessaram a sua conduta lesiva e passaram a promover a campanha difamatória aqui descrita como tese defensiva. E, nesses casos, conduzir um programa educativo junto aos magistrados para que compreendam a necessidade de aumentar o valor das suas condenações, ao invés de passar a perseguir a vítima e seus advogados.

O Poder Judiciário precisa compreender com urgência que teremos, sim, cada vez mais demandas discutindo condutas lesivas de menor grau que eram naturalmente represadas pela nossa incompetência em garantir verdadeiro acesso à justiça.

Essa nova realidade é um fato. E ela já chegou.

Agora cabe à advocacia e ao Poder Judiciário decidirem como devem responder à campanha difamatória dos grandes litigantes deste país contra a advocacia digital de impacto.

Até aqui, ambos parecem inclinados a apoiar o lado errado desta briga. Pedro Bohrer Amaral é advogado no Brasil e em Nova Iorque, e fundou em 2017 o primeiro escritório de advocacia 100% digital do Brasil para entregar serviços jurídicos de qualidade a qualquer brasileiro por menos.